OS ANTIGOS CONCEITOS OFICIAIS SOBRE PROPAGA ÇÃO DAS RÁDIO-ONDAS

A notícia, que transcrevi, do "Diário Popular", acerca do mérito dos Radioamadores na descoberta das surpreendentes possibilidades do aproveitamento das "ondas curtas" para as telecomunicações a longa distância - torna oportuno adiantarmos, desde já, alguma coisa mais acerca dos antigos conceitos oficiais, sobre a propagação das rádio-ondas.

Tais conceitos, consagrados designadamente pela legislação estrangeira até às importantes experiências dos Radioamadores a que farei referência, exerceram, como bem se compreende, a sua influência sobre a própria legislação portuguesa relativa as Estações Emissoras Experimentais - e interessam por isso directamente à História do Radioamadorismo Português.

Desde os princípios do corrente século, até inclusivamente à aplicação da T.S.F. à Radiodifusão, em 1920, o estado do conhecimento científico - ou, melhor, das convicções dominantes, porque nem todos assim pensavam - acerca da propagação das rádio-ondas, havia feito concluir oficialmente, como verdade indiscutíve1 , que só as frequências', das chamadas ''ondas longas'' e médias'' teriam aplicação prática, para a transmissão e recepção a grandes distâncias.

Empregando rádio-ondas abaixo dos 200 metros, verificava-se o enfraquecimento progressivo da recepção a distâncias relativamente reduzidas, e tal fizera concluir (afinal erradamente como vai ver-se) que, enquanto as ondas longas e médias se propagavam ao longo da superfície curva da Terra, atingindo razoável alcance de recepção, as ondas ''curtas'', pelo contrário, seguiam em linha recta, perdendo-se na imensidade do espaço extraterrestre.

Os livros e manuais da época "ensinavam" dogmaticamente esta ''verdade'' e, assim escrevendo o Eng.. E. Monier o seu conhecido trabalho sobre "A Telegrafia Sem Fios, a Telemecânica, e a Telefonia Sem Fios'', publicado em Paris em língua francesa com um Prefácio do Dr. Branly em 19l3, - acentuava cuidadosamente:

''...as ondas eléctricas são tanto mais difíceis de reflectir quanto mais longas se tornam; mas, aumentando de comprimento, adquirem, por isso mesmo, propriedades que lhes são muito mais vantajosas, e sem as quais a Telegrafia Sem Fios seria impossível. Tais propriedades são devidas a um fenómeno chamado difracção".

''As ondas eléctricas, graças a sua difracção, não são detidas pelos obstáculos que se lhes deparam; contornam-nos, e continuam o seu caminho".

"A difracção é tanto mais acentuada quanto maiores são os comprimentos de onda".

"É por esta razão que as ondas longas, projectadas por uma potente faísca, podem contornar um corpo opaco e iluminar, se assim se pode dizer, todas as partes que lhe ficam do lado oposto; isto ao passo que os raios luminosos, com as suas ondas extremamente curtas, se propagam

sensivelmente em linha recta, e deixam quase na sombra geométrica todas as partes do corpo que não atingem directamente, sendo a sua difracção insignificante".

"A grande difracção das ondas eléctricas é pois de uma grande importância, verdadeiramente capital, para a Telegrafia Sem Fios a longa distância"...

E logo a seguir conclui, conforme a doutrina do tempo.

«... Para que as ondas eléctricas se propaguem a uma grande distância, é necessário, não só que sejam potentes mas ainda de grande comprimento de onda, o que, aliás, está relacionado com a sua potência. É desta forma que transpõem facilmente colinas e montanhas - e que seriam capazes de dar a volta ao globo terrestre, seguindo a sua convexidade.

Finalmente, as ondas curtas eram expressamente condenadas como "inúteis", nos seguintes termos:

"Outro tanto se não diga das ondas curtas hertzianas, de fraca difracção".

"Estas não podem contornar tão facilmente os obstáculos, dos quais o mais importante sobre a Terra é devido à própria rotundidade do Globo. Eis, pois, com a sua fraca energia, o que limita o alcance destas ondas eléctricas, - e o que limita ainda mais o alcance dos raios luminosos os quais, pela sua difracção quase nula, seguem na sua propagação a 1inha recta".

..... Em resumo: quando se trata de uma transmissão para grande distância e alcance - é necessário fazer uso de ondas muito longas, do género das que Feddersen conseguiu obter, por meio da descarga de garrafas de Leyde, ou condensadores de Leyde".

Era este, portanto, o conceito dominante sobre a propagação da T.S,F. - até mesmo quando surgiu a Radiodifusão em 1920.

(c) A.R.A.S.